sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Hong Kong, Zhuhai e iPhone's


Comprar o novo iPhone 3G-S. Foi o que me levou a Hong Kong no primeiro dia de folga. Andar de iPhone a tiracolo dá um jeito enorme. É estético. Dá para fotografar as famosas mini-saias. Pintar um quadro. Encontrar um atalho. Tudo e mais alguma coisa. Incluindo fazer chamadas. No dia anterior reservei bilhete de ida e volta através da empresa onde trabalho. Assim fica a metade do preço. Regalias. Macau está a 60 quilómetros de Hong Kong. Menos de uma hora de barco. Levanto-me cedo. Pequeno-almoço no café da esquina. Pastelaria ocidental num franchising da Nova Zelândia e caro. Noodles, vegetais e companhia saem barato pela manhã. Mas o estômago continua maricas. Levanto Hong Kong Dollars no Banco Nacional Ultramarino. Patacas não servem de nada no outro lado do Delta do Rio das Pérolas. Apanho um táxi e rumo ao Terminal Marítimo.

As formalidades são as mesmas de qualquer aeroporto. Check-in. Controlo de passaporte. Sala de embarque. Muitas máscaras anti-gripe-suína. O Turbo Jet é porreiro e garante conforto. Tenho o guia de Hong Kong na mochila. Por lá permaneceu durante toda a viagem. Não tirei os olhos do horizonte. Ilhas. Ilhotes. Uma praia aqui. Outra acolá. Pedaços de areia inalcançáveis. São todos em território chinês. Não há maneira de lá chegar de barco, a partir de Macau, sem atropelar a legalidade. Esqueço as ilhas. Os ilhotes. E por esta altura o poderoso skyline de Hong Kong trespassa-me a retina. Poderoso e avassalador. Construção massiva. Arranha-céus por todo o lado. Metrópole com sete milhões de almas. Centro financeiro do sudeste asiático.

Mais formalidades a cumprir. Entre as básicas preencher um papelito onde se faz um relatório sobre eventuais contactos com infectados de H1N1. Tirando o contágio televisivo diário... zero. Desembarco não sei onde. Não faço ideia. Café e dois dedos de conversa em inglês resolvem o problema. Chegar ao centro está apenas a uma paragem de metro. Central. Onde coabitam os arranha-céus mais populares. Caminhar em Hong Kong é andar de cabeça levantada. Contemplar os desafios da arquitectura moderna. Atravessar passadeiras aéreas com quilómetros. Deambular entre milhares de olhos-em-bico. Massivo. Calor e humidade a condizer. Ando uma boa hora sem destino. Até descobrir uma simpática galeria de arte. Até descobrir um ar condicionado. 35 a 40 graus de Verão em Portugal equivalem a uma lufada de ar fresco por estas paragens. Apreciei arte até refrescar em condições. E ainda recebi algumas dicas sobre como encontrar a tal loja que vende iPhones desbloqueados.

Duas paragens de metro. Causeway Bay. Mais arranha-céus do outro mundo. Preços do metro quadrado a rivalizar com Tóquio e Nova Iorque. Porque se trata de uma visita de médico com barco de regresso marcado não há grande tempo a perder. A tal loja fica no nono andar de um mega centro comercial chamado Times Square. O balde de água fria também por lá mora. “Não vendemos iPhones desbloqueados. Só com contrato de permanência na rede”. Descarrego a desilusão na livraria do lado. Encontrei a Playboy, versão americana. Para abrir um parêntese nesta crónica devo aqui referir que sou fã da Playboy. Para os totós que não sabem aquelas páginas são muito mais do que gajas. Algumas reportagens e entrevistas são literatura da boa. As miúdas não são literatura mas costumam ser boas. Quem tem dois dedos de testa folheia a revista e encontra arte. A versão brasileira é a melhor. A americana lê-se bem. A portuguesa está no bom caminho. Tirando os ensaios, ainda meio tímidos. Não há por aí ninguém que faça o favor de enviar a versão portuguesa? Fechado o parêntese.

Bela pizza num italiano desse mesmo Times Square e estou de volta à rua. À multidão que se acotovela nas passadeiras. Ao calor absurdo. Ao trânsito caótico. Fico imóvel durante um bom pedaço.Um mini David entre vários Golias de betão. Completamente absorto neste mundo que ainda não é meu. Quem sou. O que faço aqui. Para onde vou. Todo esse tipo de merdas. Uma espécie de assalto à mão armada à psique. Um tipo qualquer oferece-me um livro. A mim e a quem por ali anda. Folheio. Folheio. Folheio Népia. Impossível decifrar alguma coisa entre os caracteres chineses. Tenho sede. Muita sede. A roupa colada ao corpo. Húmida. Quero sentar-me à sombra e não há nesga de espaço nos bancos de jardim. Olho em redor e continuo a ver caras. Caras. E mais caras. Apetece-me dar um berro e dizer absurdamente que “quero dar um merguuuuuuuuulhoooooo num oceaaaaaaaaaano gelaaaaaaaaado”. Até que passam duas mini-saias esguias de saltos altos e tudo parece voltar à normalidade. É como se refrescasse. Mas apenas a visão. Se é esse o ponto de equilíbrio então é meio caminho andado.

Está na altura de regressar a Macau. Não sem antes comprar um chapéu militar do exército chinês num mercado com bugigangas em segunda mão. E não me perguntem porquê. Nem eu sei. Mas o chapéu é o máximo.

Dias mais tarde. Outra vez de folga. Atravesso a fronteira. A outra fronteira de Macau. Portas do Cerco. Do outro lado Zhuhai. China. Desta vez tive de levantar Yuans Renmimbi no Banco Nacional Ultramarino. Comprar um visto no posto fronteiriço. Dizer que sou professor em vez de jornalista. Preencher papéis. Ser fotografado. E finalmente o carimbo. Válido para três dias. O objectivo era o mesmo. Encontrar um iPhone desbloqueado. “Queres um iphone desbloqueado vai a Zhuhai. Em Zhuhai. Há de tudo. Tudo... falso”. Ouvi isto várias vezes.

Atravesso então a fronteira e a rigorosa autoridade chinesa e o primeiro impacto são as bicicletas. Centenas e centenas acopladas umas nas outras à porta do posto de fronteira. Dez metros adiante e uma escadaria afunila a multidão para um centro comercial subterrâneo. Vendedores em tendinhas acenam-me de forma frenética. Querem vender alguma coisa nem que seja uma água. Mais dez metros e começo a ouvir “iPhone, sir, iPhone”. Olho para as estantes e lá estão eles. Vários. Todos falsos. Impecavelmente falsos. “Chep sir, iPhone fol you”. Não cedo à primeira. Dou uma volta. Páro outra vez em frente a uma estante. “Wanna tly iPhone?” Claro que sim. Vilma. Assim se chamava a empregada. “Whele ale you flom?” Portugal, respondi. “Ah... Poltugal. Te amo. Obligado.” Isto só para início de conversa. A Vilma nunca tinha ido à Europa. Não fazia ideia onde era Portugal. Mostrou-me o iPhone, entusiasmada. “Vely good, vely good”. É caro. Rebatia eu. Caro era... 900 Yuens – 90 euros, mais coisa menos coisa. “No ploblem, no ploblem”, dizia ela. Nas mãos tinha uma máquina de calcular. Pediu para que escrevesse o preço que estava disposto a pagar. Teclei 500 Yuens. Ela escreveu 700. Eu 600. Negócio fechado. “One yeal walanty”. Um ano de garantia. “If ploblems you call me”. Palavra de Vilma. Ela própria memorizou o número no meu novo iPhone.

Tem touch screen. Tem aplicações. Tudo num software chinês, disponível em várias línguas. Em nenhum lado está escrito iPhone. Apenas Phone. Bastaram meia dúzia de minutos para perceber que continuo à procura de um verdadeiro. Esteticamente é igual. Funcionalmente nem por isso. Faltam algumas coisas importantes. Mas tem a sua piada. Em Zhuhai vendem-se a rodos. iPhones e tudo o que se possa imaginar. Malas Louis Vuiton, Gucci, Prada. Fatos Armani, Versace, Ermenegildo Zegna. Calças Hugo Boss, Dolce&Gabbana. Sapatos Ferragamo, Paul Smith, Converse. Relógios Rolex, Patek Philippe, Omega. DVD's de séries e filmes com as novidades mais recentes a um euro e meio. Imitações à primeira vista sem falhas. Um paraíso daquilo que parece mas não é.

Foi novamente uma visita de médico ao outro lado da fronteira. Irei a Zhuhai mais vezes. Tenho todo o tempo do mundo. Voltei com um relógio (sem marca) de cinco euros, um iPhone de trazer por casa e uma tela. Uma tela a óleo. Shangai pintado por um artista local. A melhor compra do dia. E o novo inquilino cá de casa.

*Crónica publicada no portal Observatório do Algarve em 7 de Agosto de 2009

Macau - Hong Kong (fotos)




Turbo Jet Macau - Hong Kong


Viagem Turbo Jet entre Macau e Hong Kong


Aterros para mais arranha-céus no skyline de Hong Kong


De baixo para cima em Hong Kong




Guarda-chuvas em Hong Kong


Shangai em óleo

iPhone e relógio de Zhuhai

Macau - Hong Kong (vídeo)