sexta-feira, 17 de julho de 2009

Fui ao tapete!

Primeiro tiro no estômago. Hora de almoço. Restaurante chinês perto do trabalho. Arrisquei pedir o prato do dia. Uma espécie de galinha, com um molho castanho não sei de quê e arroz branco a acompanhar. A equação é simples: 'menu completamente chinês + empregadas de mesa que só falam chinês + cliente que não fala nem entende chinês = a cliente aos papéis'. Obviamente aos papéis. Tanto que queria um sumo de fruta e insistiam comigo que o almoço era servido com chá. Aparentemente chá quente. Gosto muito de chá. Mas não queria chá quente, como via na fotografia do menu. Queria sumo de fruta. Fresquinho. É impossível beber algo quente com este calor. Insisti uma. Duas. Três vezes e a resposta foi a mesma. A empregada pegava na lista, apontava para o prato e depois para o chá. Eu, apontava para o prato e depois para o sumo. Ela apontava de novo para o prato e depois para o chá. Eu sorria. Ela sorria. Eu não a entendia. Ela também não me entendia. Eu morria de fome. E se assim continuasse ela morreria de tédio. Deixei-me disso e venha então a galinha com o molho e o arroz mais o chá quente.

Nem dois minutos passaram e tenho a entrada na mesa. Uma mistura de gelatina verde com doce. Para entrada? Deixei-me disso e soube-me pela vida. Mas teria calhado melhor à sobremesa. Nem dois minutos passaram e tenho o prato na mesa. A galinha um tanto para o plana, espalmada. Parecia um bife. O molho em cima. O arroz por baixo. Plana e espalmada porquê? Não dava para distinguir asa, perna, peito, nada. Plana e espalmada. Deixei-me disso e ataquei. Um toque de coentros, cebolinho, pimenta, molho agridoce. Nada mau. O chá apareceu ao intervalo. Afinal era gelado. Ice-tea de ervas. E que maravilha de ice-tea. Para que conste, a fotografia do menu onde estava o chá mostrava um bule com água a ferver...

Regresso ao trabalho com uma leve indisposição. Dor de cabeça ligeira. Ligeira dor de estômago. Duas horas mais tarde o dobro da dor de cabeça. O dobro da dor de estômago. Três horas mais tarde, dor de cabeça insuportável. Dor de estômago insuportável. Pedi para sair mais cedo. Esperei um táxi na rua. Passaram uns dez. Nenhum livre. Passou um autocarro e em 10 minutos estava em casa. Não demorei muito a estrear a loiça da casa de banho. Sim... vomitei o almoço todo. Fui pela primeira vez ao tapete em Macau. Foi da comida? Não sei...

Para não correr o risco de enjoar o leitor, mudemos de assunto. Alguns dias antes arranjei casa. Bem perto do Largo do Real Senado, praça de traços portugueses no centro da cidade. Vi umas quantas. Em Macau e na Taipa. Na Taipa, atravessando uma das pontes, entrei em condomínios privados com piscina e health-club. Podia ter optado por aí. Mas preferi mergulhar no Macau profundo. Morar no centro. Vizinhança chinesa. Pelo menos neste primeiro ano de adaptação. Se é que algum dia estarei devidamente adaptado.

Mais central não podia ser. Rua Central. Algumas portas acima da Polícia Judiciária. Edifício Pou Kei. Todos os prédios têm nome próprio em Macau. Trata-se de um duplex, no quarto e último andar. Estilo ocidental. No andar de baixo está a sala, o quarto e uma casa de banho. No andar de cima, a cozinha, um pequeno lounge e outra casa de banho. Também um terraço com vista para as redondezas. Para os prédios do lado. Apartamentos onde as grades predominam. Grades de ferro. Austeras. Algumas varandas parecem gaiolas de pássaros humanos. Dizem-me que assim é por causa de uma vaga de assaltos nos anos 90. A vaga dos 'homens-aranha'. Vejo prédios com 30 e mais andares. Grades até ao último piso. É estranho. Esteticamente feio. Mas não tenho grades em casa. Foi uma das condições que impus ao porreiro e prestável promotor imobiliário. Português de Cascais. “Sem grades”. Tenho então um terraço com vista para os prédios vizinhos. É fim de tarde. O calor e a humidade continuam transcendentes. Ainda vislumbro uma colina onde jaz uma bonita igreja rodeada de árvores. Hei-de lá dar um salto.

O duplex é arranjadinho. Um pouco caro. 7000 patacas. Cerca de 700 euros. Não tive grande tempo nem paciência para procurar casa. Por isso teve mesmo de ser este. De todos os que vi foi o que mais me agradou. A vizinhança nos andares de baixo é toda chinesa. Cada porta tem um altarzito de um Deus qualquer e um pequeno incinerador. Ao lado dos altares há pratos com fruta. Alguma podre. Comida para os antepassados. Nos incineradores queimam-se notas falsas. Dinheiro para os mortos. Também abundam os pauzinhos de incenso. Já estou avisado que por altura do ano novo chinês são refeições inteiras junto a cada altar. Pratos quentes, em honra dos que já lá vão. Não quero imaginar o cheiro das escadas nessa altura.

Já tenho casa e isso é o mais importante. Casa e trabalho. Roupa lavada ainda não porque a máquina está em chinês. Terei de pedir ajuda. Faltavam lençóis e toalhas mas também já está resolvido. Lençóis padrão Louis Vuitton. Uma espectacular aquisição no Mercado Vermelho, uma espécie de feira de rua na zona Norte da cidade. Comprei Louis Vuitton só pelo gozo da coisa. Uma falsificação de qualidade impecável. Flawless. A 260 patacas o conjunto inteiro. Tentei ainda seleccionar um par de artigos para casa num armazém japonês mas não aguentei cinco minutos. Versão oriental de Tony Carreira aos berros nas colunas e prateleiras carregadas de bugigangas que não descortinei para o que servem.

Pelo meio tive ainda de recorrer à banca. Abrir conta. Aliás, duas contas. Uma no Banco Nacional Ultramarino – BNU – onde os portugueses normalmente depositam as patacas. Outra no Banco da China para onde seguem os reembolsos do seguro de saúde. [Tem estilo não tem? Ter uma conta no Banco da China? Eu acho que tem... mas não foi fácil]. Mais uma vez problemas de comunicação com o interlocutor. Pela frente uma muito simpática e paciente chinesa de meia-idade. Ria-se muito. Sempre que eu abria a boca ria-se como uma perdida. “Pedlo Joulgé? Ahahhahahahaha!”. “Jounauist? Ahahahahahaa”... e por aí fora. Falava um inglês atabalhoado. Falar nem é o termo correcto. Debitava meias palavras num inglês atabalhoado. Mas lá nos entendemos.

Tenho patacas no Banco da China. E a partir de agora o céu é o limite.


* Crónica publicada no portal Observatório do Algarve em 17 de Julho de 2009.

13 comentários:

  1. Demais Primo!!!!!:)lol!!Espero que já estejas melhor!
    Continua a escrever!!Dá vontade de apanhar o primeiro avião e fazer a visitinha da praxe!!
    Beijos da prima Ana*

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  2. Noticias Enfim!!
    tanto de uma só veZ? Foi para compensar certamente... ehehe
    Neste dia de IMENSOOO calor no Algarve e com montes de trabalho, tiro 5 minutos para espreitar o que se passa com O português em Macau... eis que encontro uma comédia com um cheiro oriental! único!
    Desta vez demoras-te a escrever.. o desassossego já se fazia sentir...
    é tudo muito curioso.. dá vontade de ir espreitar e de sentir pessoalmente.. quem sabe um dia tenha a oportunidade... por enquanto só tive oportunidade de áfrica e Europa.
    Não consigo ver a experiência no banco... não sei o que se passa mas não dá para ver.. tenho pena!
    As grades das casas.. são.. no minimo inquietantes... deve ser horrivel viver preso.. deve ser sufucante e em prédios com 30 andares é no minimo estranho (proezas dessas só mesmo um Homem Aranha Chinês.. realmente)!
    Aguardo mais... mais de tudo o que queiras partilhar!

    *Elisa*

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  3. A melhor altura de estar em Macau é no inverno.
    Pouca chuva e pouco frio (1 mês de frio).
    Passeia-se muuito à vontade.
    O MacDonald é bom. Basta recusar as batatas.
    Esses pequenos "cafés" todas as carnes são ultracongelados (em Macau perde-se a cadeia de frio fácilmente).
    Vai a sítios onde diz Restaurante.
    Há tantos sítios com ememta em Português ou Inglês ou então à base de fotografia dos pratos feitos.
    Posso sugerir-lhe para ir ao New YaoHan no 8º? andar o food court.
    Vai ver que vai gostar de Macau depois de aguentar o Verão.

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  4. Dia 17 às 17:58?
    Aqui em Lisboa é dia 18 às 1:59
    Macau deve ser 8:59 do mesmo dia 18.
    Acerta o fuso.

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  5. Em Macau, HK, e em toda a China não existe nem sabem o que é Chop Suey.
    A tradução literal significa, misturada ?!
    Qualquer dia convidam-lhe para um banquete à chinesa e já pode saber mais sobre essa culinária.

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  6. Fuso horário alterado caro leitor. Obrigado pelas dicas!

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  7. JAJAJAJAJAJa
    por qué e que lhes chamam patacas??????

    Espero que já estejas melhor das doenças da nova cultura! :)

    bjcs

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  8. Sugeria que fosse buscar um contador de visitas:
    http://flagcounter.com/more/FXK ou
    http://www.clustrmaps.com/
    Também pode colocar 2 relógios, 1 com as horas e data de Macau e outro de Portugal.
    http://www.clocklink.com/
    Tenho um blog com isso e fica bem chique.

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  9. Parece que vais ter o privilégio de observar O eclipse no dia 22 não é?
    Maucau "às escuras"....
    Inveja... ehehe

    *Elisa*

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  10. Hello hello,
    Que delícia é ler as tuas crónicas... quase me vejo a caminhar por essas ruas e a sentir esses cheiros. Ainda bem que partilhas connosco o que se passa desse lado do mundo. "Nós por cá" adoramos e ansiamos pelas tuas novidades e aventuras. Beijos deste teu algarve a caminhar para a loucura do Verão.
    Cidalia

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  11. Querido Pedro, caso ainda não tenhas habituado o teu estomago à cozinha macaense, acho que tenho a solução para ti:

    Keeping Portuguese Cuisine Alive in Macao - Globespotters Blog - NYTimes.com

    http://globespotters.blogs.nytimes.com/2009/07/21/keeping-portuguese-cuisine-alive-in-macao/

    Cozinha Portuguesa O Manel, tucked down a quiet side street near the Hotel Taipa, rates as one of the best culinary finds in Macao.

    Beijos!
    Helga

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  12. obrigada por partilhares, é tudo tão diferente! a tua casa é muito gira! o que impressionou um pouco foi ver aquela foto das grades, deve ser mto esquisito, para não lhe chamar outra coisa, viver assim! Ah e como foi o eclipse? Vi nas noticias, deve ter sido sensacional! Aguardo a publicação sobre esse tema ;)

    mademoiselle

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  13. Grande Pedro, é sempre bom saber noticias, de um amigo escondido no tempo, felicidades nesta tua aventura oriental. Um grande abraço a partir da pérola do atlantico. Rui Marques
    P.S. Não te esqueça que briteiros ainda tem o contrato

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